domingo, 9 de outubro de 2011

Reconhecimento e o Elogio



Reconhecimento e o Elogio
Renato Dias Martino

Desde as primeiras publicações de Sigmund Freud (1856-1939), 
no início do pensamento psicanalítico, por volta de 1885, muitas 
condutas sociais se transformaram e parecem continuar em constante 
mudança. Modelos de costumes de gentileza, por exemplo, que 
eram cultivados em épocas passadas, hoje parecem raros e 
muitas vezes se tornam motivo de espanto.
Assim, não me parece um equívoco dizer que nos depararmos 
com um ato de gentileza em nossos tempos, é sem dúvida motivo de surpresa.

Dessa forma, quando temos a sorte de percebermos uma ação de 
gentileza em alguém que encontramos, no nosso cotidiano, somos
 impulsionados a enaltecer o sujeito desse ato. 

Esse enaltecimento revela o quão raro é encontrar alguém capaz de gentilezas. 
Contudo, essa exaltação ao ato gentil revela, por outro lado, a dimensão 
da tolerância quanto aos comportamentos pouco amáveis que acabam 
por assumir a posição de “lugar comum”. 
Aprontam em incorporar-se naquilo que se pode esperar das pessoas. 

A percepção dessa realidade é a origem do desassossego que me fez 
dedicar as reflexões contidas nas próximas linhas. 

De tal modo, partindo de certo pressuposto que está para o aparelho 
mental, assim como a comida serve ao corpo físico, proponho aqui 
cogitarmos o conceito do reconhecimento. 
Quero propor o conceito de reconhecimento, quanto àquilo que nutre o eu. 


Vínculos que resultam no reconhecimento, trazem a verdade que é em si, 
o alimento da alma. É dessa verdade que se retira o substrato da 
manutenção do funcionamento mental. 
Depende-se disso para o desempenho do pensar. 
O reconhecimento é o resultado da simbolização do objeto conhecido. 
A autoestima parte daí.

O conceito de símbolo começa a ser observado com maior cuidado, 
a partir dos estudos de Melanie Klein (1882-1960), pensadora da 
psicanálise posterior a Freud. Em sua obra 
“Da importância da formação de símbolos no desenvolvimento do ego” 
de 1930, Klein propõe que a capacidade do bebê em simbolizar 
o seio nutridor, é o protótipo de vínculo que pendurará na vida emocional. 

Iniciando daí as tentativas de novas experiências que possam aprimorar 
essa capacidade de simbolizar. 
A partir desse vértice, cada experiência simbólica com a realidade, 
deve habilitar o “eu” a viver a falta e assim, sobreviver mesmo na falta. 
Só depois da experiência da falta é que se pode viver o reconhecimento. 
Conhecemos, vivemos o afastamento do que se conheceu e só 
depois reconhecemos.


Quando proponho o reconhecimento, isso não coincide com o ato de elogiar, 
como mencionado no inicio do texto. Não proponho valorizar o conceito 
efêmero do elogio, que me parece tão pobre em nutrientes e tão inútil 
para funcionamento saudável da mente, quanto à ação da crítica. 

Aquele que elogia, o faz por não ser capaz de reconhecer. 

Por se julga incapaz de reconhecer em si mesmo, aquilo que elogia no outro.



 

Isso na melhor das hipóteses, pois quando a experiência é muito primitiva, 
o que temos é a crítica. A crítica que parte da incapacidade daquele que 
critica, tem efeitos devastadores na qualidade dos vínculos. 
O crítico se fortalece criticando o outro. 
Isso por que despeja o peso de sua incapacidade no objeto da crítica. 

O elogio por sua vez, é o falso reconhecimento. 
Um alimento extremamente pobre no papel da manutenção da autoestima. 
O elogio é gerado por certa impressão superficial da realidade, 
bem distante de uma visão dedicada quanto à profundidade das pessoas e coisas, justamente onde se abre a dimensão do reconhecimento.

O que tentamos chamar aqui de reconhecimento, está na ordem da 
capacidade de percepção da realidade dos fatos. 
Distante do enaltecimento do elogio, que se encontra na ordem 
do idealizado, muito afastado do real. 
O “re-conhecer” trata da experiência de conhecer novamente, 
mas agora contando com a imagem internalizada do 
objeto de reconhecimento. 

Necessitamos da opinião do outro quanto ao que somos. 
Isso existe naturalmente como necessidade de reconhecimento. 
Então, o ego carece disso pois é daí que se nutre a autoestima. 
Contudo sendo o reconhecimento uma qualidade do funcionamento 
mental, deve partir de dentro, ou seja, deve emergir do mundo interno. 

Quero propor que, só é capaz de reconhecer o outro, aquele que 
aprendeu a reconhecer-se a si mesmo. 
No entanto, isso só se dará a partir da experiência desse que hoje 
reconhece, em ter sido, por sua vez, reconhecido. 

Ser reconhecido é perpassar o conhecimento do eu, pela confirmação 
do outro. 
Quero propor que para saber quem somos nós, necessitamos transcorrer 
essa verdade através do olhar do outro. 
Uma verdade sobre o eu, que só o eu conhece, 
não pode ser chamada de verdade. 



Prof. Renato Dias Martino 
Psicoterapeuta 



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